Já foi assim na pandemia. Uns dias em casa a fazer bolos, a migrar para as casas de campo e a fazer Teams com os amigos. Unidos pela desgraça que ainda não fere.
Não caem bombas, nem ninguém está a passar fome, estamos só a brincar ao fim do mundo. E é mesmo giro, brincar ao fim do mundo, porque há uma ansiedade que é quase real a dançar com o luxo de ser contemporâneo do fim.
E depois, ele não acaba.
É como o namorado que vai dormir para o sofá. E é quando descobres que, afinal, até gostavas de ter a cama grande só para ti.
É o mesmo gostinho que o rico tem pelo rústico e pelo pitoresco. Dá para passar mais tempo com os miúdos. E assumir com convicção o nosso jeito inapto para não fazer absolutamente nada.
Só por isso é que é capaz de haver umas levas de abaixo-assinados, a pedir que se substitua o Dia do Trabalhador pelo Dia do Apagão. É que estar vivo dá muito trabalho. E este prenúncio de apocalipse vem sem qualquer obrigação. É uma amnistia colectiva e desembargada.
Se tiveres uma dúzia de enlatados, nem precisas de acusar negligência. Umas quantas velas e pões o circo a arder. Confirmas que os teus estão seguros e deixas-te ir, com tanta pena que isto não vá mesmo acabar.
É que a ressaca do fim do mundo é fodida. No dia a seguir, tiram-te o doce da boca e a rotina amarga, na esperança que faças qualquer coisa de jeito com o tempo que te sobra.
E das sobras… só se faz refeição quem tem muita prática de cozinhar.
É aprender a viver, senhores.
Isabel Saldanha
¡Viva el vino!