Família de acolhimento

O trauma do abandono cura-se no colo de uma Família

Não era o artigo que estava a pensar escrever hoje. Porque estes assuntos da ansiedade são muito convidativos do ponto de vista da narrativa e da partilha de experiências, mas são simultaneamente muito enjoativos.

Acontece que hoje fui à psiquiatra fazer a consulta de acompanhamento.

É preciso fazer a adenda que a psiquiatra não me faz psicoterapia, apesar de ter muitos amigos médicos, há um mês atrás, quando me senti a descambar, fui ao site da mycuf e marquei uma consulta avulso, na primeira vaga disponível, na zona geográfica mais perto, e acabei na cuf de Miraflores a ser atendida por uma simpática senhora, a quem narrei em 15 minutos a minha triste história ou para ser mais correcta comigo, a história da minha tristeza.

Falei-lhe do medo, das insónias, da falta de apetite e sobretudo da ausência de fome de vida que tanto me caracteriza. Fez-me algumas perguntas com um sorriso interessado, não se escudou a ouvir as minhas metáforas mais elaboradas: o fim do namoro, o ex marido distante, a filha querida que está longe, a filha irreverente que está perto, a mudança de geografia, etc…

Escutou-me e prescreveu o que achou ser necessário para me recompor, obrigando-me a revisitá-la daí a um mês.

Disse que não me passaria nada para dormir, porque achava que o ansiolitico, ia ser mais que suficiente para me tirar o peso da angústia e devolver-me o gosto pelos enchidos processados e pela chanfana da vida. Afinal de contas, nunca tive dificuldade para adormecer.

No dia seguinte aviei o que havia para aviar e desde então, tomo tudo escrupulosamente, erguendo os comprimidos com o mesmo cerimonial de quem ergue uma hóstia sobre o cálice da vida.

Em 24 horas estava a dormir bem. Em 48 horas recuperei o apetite e nos dias seguintes já me sentia capaz de ver videos brasileiros de gluteos para engrossar a bunda mole que a tristeza não permite engrossar. Fiquei outra. Não me senti zombie, nem ausente, nem trôpega ou sonolenta, fechei a torneira das lágrimas e abri a mangueira da criatividade.

Organizei a minha agenda e a minha motivação, escrevi folhas e folhas, de tudo o que que me dava prazer e tudo o que me prendia. Ensaiei que ia fazer rituais Xâmanicos de queima de intenções mas depois deixei-me disso, porque há um limite para todas as demências e um escrúpulos em todas as aparências. Mas escrevi.

Mas no íntimo mais íntimo de mim, eu sabia que precisava de mais. Que o meu processo de cura e de fortalecimento, precisava de colo. Que os abandonos sucessivos apinhavam-se em mim, como refugiados em mar alto, sem lanterna e sem destino. Precisava de um colete à prova de vida. Por isso, deixei os amigos boémios das casas solteiras e das noites em festa e falei com todos os meus amigos com filhos.

Pedi-lhes períodos de guarida para matar saudades de ser família. Dei ao meu ascendente caranguejo a autoridade e o carinho de ser ele mesmo. Permiti-me ser cuidada.

Mesmo estando mais que habituada às divagações desapegadas da cavaleira ambulante, longe da Caetana e com a Camila a viver em casa do pai, soube que precisava de me saber parte de algo maior. De crescer e constelar, na melhor terapia que o mundo tem para nos oferecer, o caos amoroso de uma família.

Fiz uma mala pequena e eis me toda feliz, a jantar com crianças ao colo, a fazer puzzles, a ser interrompida, a cuidar de dói-dóis, a cortar bifes aos quadradinhos e a ver pais e mães quase enlouquecidos na hora dos banhos, exactamente como eu achei que iria enlouquecer. um dia

Sei hoje, que falei disto à psiquiatra que foi das decisões mais inteligentes que tomei. Talvez das menos recomendadas e das que mais deviam ser prescritas, a quem como eu, se sentiu subitamente numa pré reforma funcional forçada, sem conseguir acolher os louros da liberdade incondicional e da falta de ter de quem cuidar. Cuidando que ao cuidar me esquecia tantas vezes de mim. E a virtuosa falta que isso nos faz.

Só faço estadias curtas, faço trabalho de babysitter e cuido de tudo o que houver para cuidar. Embora quase ninguém me deixe fazer nada, que não seja brincar. Podia dizer que estava longe de imaginar o bem que me faria, porque eu sabia exactamente o que me estava a faltar.

Este sentido de pertença, este vórtice funcional, esta distribuição de papéis e esta abundância de carinho e de ingenuidade que as crianças oferecem como banquete, e que nós recolhemos tantas vezes como migalhas.

A psiquiatra despediu-se hoje com um abraço invulgar e disse-me a coisa mais feliz que se pode dizer a um paciente:

-Se não fosse ético, mandava a vir mais vezes aqui. Você é uma força da natureza, tão enérgica e criativa. Tão cómica e tão divertida!

À confiança, perguntei-lhe se já tinha subscrito a minha newsletter chamada “Fodasss”, mas antes, disse que apesar da rebeldia do nome, era audaz, honesta e relativamente eloquente. Disse que iria já subscrever, não só o “Fodassss” como o método da “família de acolhimento”.

Agora com a vossa licença, tenho que ir para a mesa! Chama a família Rebelo!

Beijinhos desta família,

Isabel, Inês, Filie, Bernardo, Frederico e Carolina

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ENGLISH VERSION

FOSTER FAMILY

The trauma of abandonment heals in the embrace of a famil

This wasn't the article I planned on writing today. Because topics on anxiety are very enticing from a narrative and experience-sharing perspective, they are simultaneously quite overwhelming.

Today, I went for a follow-up appointment with my psychiatrist.

It's important to note that my psychiatrist doesn't provide psychotherapy. Although I have many doctor friends, a month ago when I felt myself slipping, I visited the mycuf website and booked the first available appointment in the nearest geographic area, ending up at Cuf Miraflores being attended to by a kind lady to whom I recounted my sad tale—or more accurately, the story of my sadness—in 15 minutes.

I spoke to her about the fear, the insomnia, the lack of appetite, and especially the absence of a zest for life that characterizes me so. She asked me several questions with an interested smile, and listened attentively to my elaborate metaphors: the end of a relationship, the distant ex-husband, the beloved daughter who is far away, the irreverent daughter who is near, the change of geography, etc.

She listened and prescribed what she thought necessary for my recovery, making me promise to revisit her in a month.

She said she wouldn't prescribe anything for sleep because she thought the anti-anxiety medication would be more than enough to lift the weight of anguish and restore my taste for processed meats and the zest for life. After all, I've never had trouble falling asleep.

The next day I picked up what needed to be picked up, and since then, I've been taking everything meticulously, lifting the pills with the same ceremony as one who raises a host over the chalice of life.

Within 24 hours, I was sleeping well. In 48 hours, I regained my appetite, and in the following days, I felt capable of watching Brazilian videos on how to firm up my buttocks, which sadness had left flabby. I was transformed. I didn't feel like a zombie, nor absent, nor clumsy or sleepy; I turned off the tear ducts and opened the hose of creativity. I organized my schedule and my motivation, wrote pages and pages of everything that gave me pleasure and everything that held me back. I planned to perform shamanic rituals of burning intentions but then let go of that, because there is a limit to all madness and a scruple in all appearances. But I wrote.

But deep down, I knew I needed more. That my healing and strengthening process needed nurturing. That the successive abandonments were piling up inside me like refugees in open sea, without a lantern or destination. I needed a life jacket. So, I left my bohemian friends from the single homes and party nights and spoke to all my friends with children.

I asked them for periods of shelter to relive the feeling of being part of a family. I gave my Cancer ascendant the authority and affection to be itself. I allowed myself to be cared for.

Even though I'm more than used to the detached wanderings of the wandering knight, away from Caetana and with Camila living at her father's house, I knew I needed to feel part of something greater. To grow and constellation, in the best therapy the world has to offer, the loving chaos of a family.

I packed a small suitcase and here I am, all happy, having dinner with children on my lap, doing puzzles, being interrupted, caring for boo-boos, cutting steaks into little squares, and watching parents nearly go mad at bath time, exactly as I once thought I would go mad.

Today, I know that I mentioned this to the psychiatrist as one of the smartest decisions I made. Perhaps one of the least recommended and the most should be prescribed, to someone like me, who suddenly found herself in a forced functional pre-retirement, unable to embrace the laurels of unconditional freedom and the lack of having someone to care for. Caring that so often made me forget myself. And the virtuous lack that this brings us.

I only do short stays, do babysitting, and take care of whatever needs to be taken care of. Although almost no one lets me do anything but play. I could say I never imagined how good this would do me because I knew exactly what I was missing.

This sense of belonging, this functional vortex, this distribution of roles, and this abundance of affection and innocence that children offer as a feast, and we so often collect as crumbs.

The psychiatrist said goodbye today with a hug and told me the happiest thing you can say to a patient:

'If it weren't unethical, I'd have you come more often. You are a force of nature, so energetic and creative. And perhaps, by far, my patient who makes me laugh the most.'

I asked her if she had subscribed to my newsletter called 'Fodasss,' but before that, I mentioned that despite the rebellious name, it was bold, honest, and relatively eloquent. She said she would subscribe right away, not only to Fodassss but also

to the 'foster family' method.

Now, if you'll excuse me, I have to go to the table! Calling the Rebelo family

Kisses

Isabel, Inês, Filipe, Bernardo, Frederico, and Carolina