A modos que andamos nisto. De forma muito simplificada:
Queremos viver apaixonados mas não estamos para nos chatear.
Do alto da nossa soberania individual, no âmago da nossa jornada, decretamos que já havíamos passado a rebentação. Que agora, a existir AMOR, este devia ter a tranquilidade calda de um Mediterrâneo raso e transparente. Nada de grandes barreiras à entrada e ainda menos concebível à saída.
Sabemos nadar melhor do que nunca, mas não estamos para grandes ondas, nem pirolitos. Nem temos muita paciência, para bracejar em conversas longas e silêncios pastilhados, ou ficar com os tornozelos por horas, em águas frias à espera da dormência que produz o mergulho.
Era só o que mais faltava, com tanta coisa bonita para ver, com tanto livro e documentário bom, com tanta patuscada entre amigos, tanta série premiada, gastar horas a tentar que um estranho se entranhe?!
Horas que devemos à culpa, aos filhos, às amizades de infância, ao trabalho que se apinha. Agora esses outros? Com novas reivindicações, com personalidades voláteis e vontades próprias. Que disparate! Cheios de fome de surpresa, com olhos suplicantes, com quizs interminaveis, com questões absurdas e silêncios incómodos ou traqueias cheias de bazofia. Isso não!
E os traumas que carregam, incapacitados de serem leves como um suflê de aspecto lustroso, camada crocante e a espuma dos dias. Onde andam esses seres singulares?
Carentes, muito carentes, sem saber que as mãos cabem nos bolsos e não nas nossas mãos. Que anseiam que a boca se cale e o beijo se confirme, para não perderem tempo no cuspo do romance. Que patifes!
Existindo a planear a transparência, esse acto a que se vulgarizou chamar de ghosting - por não sabermos lidar com a vergonha de cunhar o termo na nossa própria língua.
Mas nós não, nós não vamos em cantigas. Somos clássicos.
Exigimos a destreza de um cérebro que nos saiba conduzir o racional e o libido com a mesma desenvoltura com que se desenha uma espiral.
Não temos tempo, nem tempo a perder. Ansiamos por confirmações, explosões imeadiatas de seratonina e dopamina que apontem o caminho.
Com franqueza, o que mais esperariam de nós?!
Esta gente acha que nos podemos dar ao luxo de marcar quatro jantares lustrosos, apresentar-lhes a nossa tasca preferida, confidenciar uma fantasia, marcar ao de leve, um pronúncio de um segredo infantil e aguardar pacientemente, pela fusão dos corpo… como se tudo o que tivéssemos dado até aí, não fosse matéria que chegue para combustão?
Côrte, querem côrte. Sonsos e sonsas. Apresentam-se de boca luzidia e depilação que se adivinha, e depois é só dificuldade…Tanto perfume e tanto cavalheirismo e depois…é verniz que estala na conta que se paga de cartão altivo, na equidade lapidada, no feminismo conveniente de dois contribuintes que não são nada. Onde é que isto já se viu?!
Culpamos a pressa do tempo. Quando nós é que passamos a correr, até por nós mesmos. Esta inaptidão consentida, não nos torna sagazes e certeiros na arte de amar, torna-nos preguiçosos.
Tornamo-nos uns covardes manientos indispostos a envelhecer sozinhos. E nada teria de mal, a luta pelo maior amor a nos próprios, não fosse tudo, uma forma camuflada, de um cagaço enorme, de amar alguém para além de nós.
Também eu, estou cansado do tema. O que me espanta nas conversas cíclicas sobre as relações amorosas, é que toda a gente parece ter a mesma visão e o mesmo entendimento e contudo, nada funciona, para quase ninguém. Falamos de quem para quem, quando falamos uns com os outros, sobre esses outros, que nunca somos nós?
Génios da fuga e amadores da entrega.
Cozinhamos sentimentos no micro-ondas.
Queremos ternura em tempo de airfryer.
E quando o prato arrefece, já não presta.
A resiliência parece coisa de avós.
A espera, um erro de sistema.
O tempo, uma ameaça.
Silenciamos.
Desinstalamos.
Substituímos.
A maturidade não devia reclamar imunidade ao sofrimento; devia ter amplificado a capacidade de o gerir.
Mas desaprendemos.
Reinstalamos a pressa.
Vendemos a urgência como revolução.
Condecoramos a desistência como liberdade.
No fim, sobra-nos a solidão dos que, de tanto se protegerem, morreram intactos.
Desta vossa
Filha do Amor,
Isabel Saldanha
Entendo muito bem. Bipolaridade pendular - costumo chamar a esse querer, e achar que consigo, atirar-me de pés juntos e ir fundo ou ser invadida pela falta de pachorra do começo da narrativa biográfica já feita chavão, mas pela qual não se pode deixar de passar.
E, na minha idade (? 🤔) ou no tipo de vida que levo, já somos sempre os mesmos e todos são casais ou mulheres como eu (a maioria) sozinhas (que não sós). Onde andam os ex de todas elas? Já ocupados com as que aqui faltam.
Apps para conhecer gajos novos? Lá me enchi um dia de coragem e, bem disposta me lancei. Como tudo na vida, há variedade. Haja paciência para as selfies desfocadas, para a sinceridade (que confesso me assusta) dum tronco nu barrigudo ou para os esquemas de tentativa de sacar dinheiro às naíves solitárias e frustradas. Depois, uns escrevem e em nada dão ghost e outros…
Continuo na vidinha boa que vou criando, forjando um presente com capacidade de espanto e um possível gajo especial… on verá