Pedra, Presunto, Vinagre
Toda a gente sabe que Itália é destino certo. Que não há nada que te possa desiludir, a não ser o pouco tempo que tens para provar tudo e a promessa tola, de uma dieta que nunca vai começar aqui.
Este é o país que te convida à ruína.
Quando era criança, ouvia a minha mãe dizer que Itália era o país mais completo do mundo. Cresci a ouvir ópera e a ver filmes da Máfia. A série - La Piovra: O Polvo -uma das séries mais icónicas da televisão italiana, marcou-me a adolescência, e o Império Romano e a mitologia grega eram as duas matérias sobre as quais eu mais sacava livros na biblioteca. Não há ninguém que não tenha visto mil imagens de Veneza, do Coliseu, da Torre de Pisa, do Lago di Como, da luxuosa Sardenha e da máfia siciliana, com todos os padrinhos e os ciprestes alinhados a sublinhar a entrada dos palazzos da Toscana.
Já vim a Itália algumas vezes. Até já fiz parte da Toscana de comboio. Mas nunca fiz desta maneira, com este traçado, neste propósito quase inocente de repetir a teologia do jogo: Pedra–Papel–Tesoura. Só porque o livro que estava a ler, O Grande Hotel Europa, coincidiu com o filme O Brutalista, e em ambos se falava do imponente mármore de Carrara.
Se olharem o mapa, veem que Carrara fica junto à costa norte da Toscana, virada ao Mar da Ligúria, encostada aos Alpes Apuanos, numa triangulação perfeita com duas cidades gulosas: Parma e Modena. A partir daqui, foi marcar voo para Bolonha e flutuar de acordo com a vontade, o apetite, o impulso e a meteorologia. Com a única certeza, de que queria passar por estes três pontos, pernoitando sempre que possível num sítio distante que me oferecesse a tranquilidade absoluta da montanha.
E assim foi. Aluguei um carro, marquei duas noites em Bolonha e depois atirei-me de estômago aberto e alma escancarada a uma viagem miraculosa de 12 dias.
Nota importante: Para viagens de carro, retirem as autoestradas do Waze e do Google Maps. Vais demorar o dobro ou o triplo, mas encontras sítios, lugares e pessoas que estavam à espera de te incluir nos capítulos.
Trago na mala umas lascas de mármore, uns gramas de poeira alpina e o apetite intacto. E talvez seja esse o melhor troféu que se traz de Itália: a fome de lá voltar.
Aqui vai o roteiro, sem roteiro, sem garantias absolutas, desenhado sobre o principio dos prazeres relativos, para quem se quer perder:
Link: Mapa do Roteiro
1️⃣ Bolonha
📍 Onde dormi e passeei
La Didi Maison
Centro histórico e pórticos infinitos, Piazza Maggiore, Due Torri.
📍 Onde comi
Trattoria da Me – tagliatelle al ragù
Osteria dell’Orsa – ambiente jovem e descontraído
Mercato di Mezzo – provar um pouco de tudo
2️⃣ Porretta Terme
📍 O que fiz
Termas, trilhos pelas encostas e a aldeia do jazz (Porretta Jazz Festival)
📍 Onde comi
Ristorante Cava d’Oro – jantares de montanha
3️⃣ Bagni di Lucca
📍 O que fiz
Termas históricas e passeios à beira-rio
📍 Onde comi
Hotel & Terme Bagni di Lucca
4️⃣ Atravessar os Apeninos
📍 O que fiz
Estradas panorâmicas e desvios para vilarejos
📍 Onde comi
Trattoria da Fiorina – massa com cogumelos frescos
5️⃣ Carrara
📍 O que fiz
Visita às pedreiras (Petra Mole) – compra os bilhetes lá
Quando desceres da pedreira, bebe um copo de branco e prova Lardo di Colonnata, talvez o mais famoso produto local. É toucinho salgado e curado em mármore de Carrara, dentro de tanques escavados no mármore branco. Fica lá meses, aromatizado com sal, pimenta, alecrim, alho e especiarias. Come-se fatiado muito fino, sobre pão morno, às vezes com tomate ou mel. Era a principal fonte de energia dos trabalhadores das pedreiras.
Passeio pela cidade velha
📍 Onde comi
Ponha, Zé Lutrino – o clássico
Ristorante Il Trillo (Massa) – absolutamente imperdível
6️⃣ Pietrasanta
📍 Onde fiquei
Hotel em Pietrasanta (confirmar nome se quiseres)
📍 O que fiz
Galerias de arte, ateliers e esculturas ao ar livre
📍 Onde comi
Il Circo – jantar tardio
L’Enoteca Marcucci – vinho e petiscos
7️⃣ Modena
📍 O que fiz
Caves de balsâmico e passeio no centro histórico
📍 Onde comi
Hosteria Giusti – uma das melhores refeições
Trattoria Aldina – discreta e deliciosa
8️⃣ Parma
📍 O que fiz
Caves do presunto de Parma e prova de Parmigiano-Reggiano
📍 Onde comi
Salsamenteria di Parma – tábuas de presunto e queijo
Osteria dello Zingaro – jantar memorável
9️⃣ Museu Ferrari, Maranello
📍 O que fiz
Visita ao museu e exposição de carros
📍 Onde comi
Ristorante da Danilo – Modena
🔟 Torrechiara e Langhirano
📍 O que fiz
Visita ao Castello di Torrechiara
Museu do Presunto em Langhirano (10 min do castelo)
📍 Onde fiquei
La Locanda del Borgo – a dormir sob as muralhas
📍 Onde comi
Taverna del Castello – jantar de despedida com vinho local
♨️ Parco Piscine Leo ni (Felino)
📍 O que fiz
Banhos em piscinas ao ar livre, a cerca de 15 minutos da vila do castelo
Nota: É um mega complexo de verão, com espreguiçadeiras e música ambiente. Só lá fui dar um giro porque estava a derreter – não faz bem o meu género, mas se viajas com crianças em época de calor, elas vão amar.
Resumo de custos por pessoa:
Voo Bolonha (ida e volta ryannair)~180 € ( acrescenta bagagem de porão para os presuntos)
Aluguer do carro~550 € (recolha e entrega em Bolonha)
Gasolina~110 €
Refeições~720 €
Alojamento~600 €
Total~2.160€
Estas contas são aproximadas, podem variar conforme:
Categoria do carro
Tipo de alojamento (rural, hotel, B&B)
Quantas garrafas de vinho e tábua de presuntos pedires 🙂
E agora, já em Lisboa, entre filhas e plantas e malas cheias de presuntos, vinagres e queijos, fica só esta ideia:
Isto foi o que eu descobri, mas vocês podem descobrir coisas completamente diferentes, assim se permitam. Vão parando, dêem-se esse tempo para beber um copo, parem o carro mil vezes sem 4 piscas e saiam para passear, escolham uma trattoria à beira estrada, podem ler os reviews, mas confiem no instinto.
Parem, escutem o tempo, perguntem coisas às pessoas das tascas e das vilas, dancem nas ruas, decidam ir parar a um sítio só pela beleza do caminho.
Porque a viagem é isso: levar qualquer coisa de volta, mas deixar sempre um pedaço de nós, uma mala cheia de coisas boas e a certeza de que as estradas que inventamos são sempre as que mais (nos) contam.
Isabel Saldanha
O Sole Mio
Grazie mille